O papel do Estado no capitalismo informacional

O papel do estado no capitalismo informacional.

Por Lauro Monteclaro 02/07/2004 às 00:23
O estado dentro do sistema de produção capitalista, passou da condição de fiador da ordem vigente para a de empecilho para o desenvolvimento da nova economia globalizada.
Podemos situar as relações do estado, em sua concepção moderna, em relação ao modo de produção capitalista em pelo menos quatro fazes distintas. A primeira seria a anterior as revoluções inglesa e francesa e a fundação dos Estados Unidos da América. 
Nessa primeira fase, os estados se caracterizavam por uma relação relativamente conflituosa com a nova classe social em formação: A burguesia industrial e financeira. Em muitos casos, as próprias revoluções sociais eram apoiadas e às vezes lideradas com entusiasmo pelos empreendedores industrias e financistas. 

Na prática, não havia distinção entre as reivindicações libertárias da burguesia e do povo em geral. Devemos lembrar, que quando da revolução francesa, tanto burgueses ricos como camponeses miseráveis constituíam um indiferenciado “terceiro estado”. Ao qual se opunham os nobres e o clero.
 

A luta pela igualdade política era então uma causa comum a todos, camponeses, operários, artesãos e burgueses. Os inimigos também: As classes privilegiadas e a igreja. Isso durou até a vitória das idéias libertárias desse período. Então surgiu para a burguesia um impasse: Como construir um estado politicamente igualitário, sem igualdade econômica.
 

A resposta em muitos casos, que caracteriza a segunda fase, foi à criação de estados onde a burguesia se apresentava repentinamente como conservadora, defensora das tradições e da religião. É claro que a nova classe dominante, tomava o cuidado de destituir os velhos símbolos de autoridade, como o rei e a igreja, por exemplo, de qualquer poder de fato.
 

Em outros casos, foi necessário criar a figura da democracia representativa, com eleições que podiam ser controladas pelo poder econômico. Nos dois casos, os ideais burgueses foram sendo deixados de lado e confundidos aos poucos com o conservadorismo mais retrógrado.
 

As leis de mercado e o racionalismo produtivo foram deliberadamente misturados a conceitos religiosos ou pseudocientíficos. Até o darwinismo foi utilizado, para “explicar” de forma “natural”, as brutais desigualdades econômicas e sociais.
 

A idéia de liberdade, indispensável ao capitalismo, passou a ser sinônimo de direito exclusivo dos ricos de usufruírem seu patrimônio a seu bel prazer. Vem disso, a incorporação por parte das novas ideologias libertárias, do repúdio a qualquer referência a propriedade privada e às leis de mercado.
 

Com o repentino sucesso da revolução russa, ficou claro para a burguesia em todo o mundo que as coisas teriam de mudar. Partidos socialistas autoritários e tão dogmáticos quanto o antigo clero, podiam se apropriar do poder do estado e assim submeter todo um povo a seus projetos de governo absolutistas. Portanto era necessário evitar isso a todo custo.
 

Como o poder do estado ainda era fundamental para a manutenção da ordem e da segurança, da propriedade e do lucro, era preciso reformar o estado de modo a que fosse capaz de manter seu papel de fiador da ordem vigente. O resultado é a terceira fase do estado: O “welfare state” nos países desenvolvidos e o “desenvolvimentismo” no terceiro mundo.
 

No recém surgido mundo socialista, a solução era basicamente a mesma. Não tendo um projeto econômico coerente, os novos donos do poder procuravam imitar o sistema capitalista. Apenas o controle político era mantido firmemente nas mãos dos dirigentes.
 

Nos dois sistemas resultantes, o capitalismo privado de um lado e o capitalismo de estado do outro, o estado e seu controle permaneceram como a própria razão de ser da política. Qualquer projeto econômico ou social passava pela manutenção ou pela apropriação do poder do estado.
 

Como sabemos, ambos os sistemas foram incapazes de se manter. Os estados ocidentais, em crise a partir dos anos 70, iniciaram uma profunda reestruturação de suas economias, com ênfase na tecnologia. A tentativa de reforma do sistema soviético fracassou e levou o país a desintegração. Os demais países socialistas trataram de se adaptar a nova realidade.

Ocorre que a reestruturação do sistema capitalista foi orientada pelas idéias neoliberais. O sistema democrático passou a ser associado com a liberdade no estilo burguês tradicional, ou seja, apenas a igualdade política é admitida. O fim das ditaduras de direita e de esquerda fortaleceram muito essa visão de mundo.
 

Podemos afirmar que vivemos uma quarta fase nas relações entre o sistema capitalista e o estado. Agora o poder se desloca de modo irreversível para as grandes corporações globais. O problema é que o estado de bem estar social, cuidadosamente construído na fase anterior, agora passa a ser um embaraço.
 

A verdade é que o novo sistema de produção capitalista, baseado na tecnologia de informação e nas telecomunicações, prescinde de uma base nacional e de um sistema de alianças político que lhe de segurança. A típica corporação da era da globalização se organiza em função de redes de empresas distribuídas pelo mundo todo.
 

O novo sistema capitalista informacional cada dia se assemelha mais às antigas idéias anarquistas. P. J. Proudhon por exemplo, propunha que as suas “federações” de unidades produtivas “mutualistas” mantivessem uma relação de igualdade com o estado. Assim o estado teria apenas funções específicas como a manutenção da ordem e das leis básicas que permitam a convivência entre seres humanos. Mas jamais teria autoridade real sobre as federações. Elas seriam geridas diretamente pelos trabalhadores.
 

Podemos notar que, tirando o detalhe da gestão pelos trabalhadores, o novo capitalismo informacional defende exatamente as mesmas idéias. As corporações globais lutam pela extinção ou pela neutralização do estado nacional, suas burocracias, e suas leis restritivas ao livre comércio. Voltam-se principalmente contra o estado de bem estar social que acusam de ser perdulário e ineficiente.
 

É por isso que defendem a formação de grandes blocos econômicos como a União Européia , a ALCA e a área de livre comércio do pacífico. Com esses sistemas, só existiriam leis muito gerais para defender as transações financeiras, a propriedade privada, as patentes e os direitos autorais, fundamentais na era da informação. Tudo o mais seria negociado “livremente”. Preços de matérias primas e principalmente de mão-de-obra seriam assunto privado e dissociados da intermediação dos estados.
 
Ate agora, esse processo vem tendo sucesso incontestável. A não ser por reações previsíveis, sempre isoladas e sempre inúteis, mesmo nações e partidos políticos antes hostis ao sistema capitalista mundial, passaram a se integrar a seus ditames, e a adotar em seus países leis que facilitem sua implementação.

O resultado vem sendo a sistemática destruição das conquistas sociais duramente conquistadas pelos trabalhadores, ao longo de muitas décadas de lutas. O desemprego estrutural e a dependência completa aos “humores do mercado” são aceitos mais ou menos como os fenômenos climáticos. Por que essa rendição tão incondicional ao novo “anarco-capitalismo”?
 

Creio que a resposta não está apenas no enorme abalo moral sofrido pelas esquerdas quando do desmantelamento da URSS e da aceitação, quase que completa, por parte da China, do neoliberalismo.
 

O problema é que toda a estratégia dos partidos de esquerda está votada para a tomada de poder do estado. Tanto os partidos revolucionários quanto os que se atém ao jogo democrático, só tem um objetivo mais ou menos claro: O poder político. Como os estados estão se tornando cada vez mais irrelevantes, essas estratégias são inúteis.
 

A conquista do poder por meio de eleições, por exemplo, só transforma o partido de esquerda em uma agremiação de neófitos, completamente perdidos, dentro da nova realidade econômica mundial. Não levam muito tempo para assumir as mesmas posturas que seus adversários conservadores. O Brasil nesse caso é exemplar.
 

Quando se fala aos teóricos de esquerda sobre projetos de economia solidária, cooperativismo, terceiro setor e outras idéias com vistas a propor uma alternativa econômica à globalização neoliberal, as reações variam do ceticismo ao desprezo declarado.
 

Apesar das evidências de seu fracasso e isolamento, continuam a falar em revoluções que só existem em sua imaginação. Alguns se apegam a experiências socialistas já em fase terminal como é o caso de Cuba e da Coréia do Norte, por exemplo. Outros enxergam levantes revolucionários em demonstrações, essencialmente apolíticas, de ecologistas contra transgênicos, defensores dos animais ou passeatas do orgulho gay.
 

Existem até os que identificam nos fundamentalistas islâmicos, movidos por rancores teológicos primitivos, uma espécie de novos combatentes contra o “imperialismo”. Não parecem perceber que as ações terroristas são típicas de movimentos sociais que se reconhecem impotentes. Na falta de poder real, a demonstração espetacular e covarde das bombas, amplificada pela mídia e apropriada pela própria “sociedade do espetáculo”.
 

A única maneira de enfrentar essa nova modalidade de dominação do capital é por meio de alternativas econômicas viáveis, capazes de enfrentar as corporações no seu próprio campo. Não adianta anunciar, pela milionésima vez, a morte do capitalismo e o triunfo de um proletariado que não existe mais.

É preciso pensar, desenvolver e encorajar soluções econômicas alternativas em nível global. Por mais paradoxal que pareça, é preciso entender que o triunfo do capitalismo informacional está estreitamente ligado às mesmas idéias defendidas pelo socialismo libertário.
 

A globalização só é possível devido à atual hegemonia das idéias democráticas e a ausência de ameaças sérias de conflitos militares entre grandes estados. A empresa global só pode funcionar onde o poder do estado, a intolerância das igrejas e as particularidades culturas são sumariamente eliminados, ou no mínimo, relegados a um segundo plano.
 

A solução portanto, não é à busca de uma forma qualquer de imposição política dentro de um país ou mesmo de um grupo de países. Isso são ilusões de um passado romântico. Para os que querem lutar por uma sociedade mais justa, está na hora de deixar de lado as passeatas com bandeiras coloridas, os panfletos incendiários e os discursos grandiloqüentes e começar a aprender a administrar cooperativas. Ler o “Princípio Federativo” já é um bom começo.